A crise energética que atinge a China poderá gerar oportunidades para o Brasil acrescentar produtos de maior valor agregado à sua pauta exportadora para seu principal parceiro comercial em todo o mundo, hoje fortemente concentradas em commodities de baixo índice de industrialização. Este ano, até o mês de setembro, de todo o volume exportado para a China 81% foram soja, minério de ferro e petróleo.
A soja e o café, atualmente exportados para o país asiático em grãos, poderão passar a ser embarcados após beneficiados e agregando valor. Para isso, o Brasil precisa contar com energia suficiente para explorar as oportunidades de exportar esses e outros produtos para a China.
“A crise energética gera um cenário que começa a preocupar o mundo como um todo, e o Brasil faz parte do mundo”. A partir desse raciocínio, o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, afirma que “o Brasil exporta basicamente commodities e pode ver nessa situação (crise energética) uma possibilidade de ganhos”.
Entretanto, adianta que para que isso aconteça, “precisamos ter energia, pois não basta os outros países não terem e é indispensável que o Brasil disponha desse recurso. E agora que começou o período das chuvas, a tendência é de que se aumente o nível dos reservatórios e consequentemente da produção energética. Então, acredito que o Brasil pode tirar proveito dessa situação”.
Segundo o estudo “Impact of Power Shock on China’s F&A Market”, elaborado pelo banco holandês Rabobank e divulgado pelas agências internacionais de notícias, nas últimas semanas, os cortes de energia em 16 províncias da China interromperam a produção em todos os setores
O documento ressalta que “o impacto está se propagando por toda a cadeia de suprimentos, tanto na China como em todo o mundo. Uma série de fatores contribuíram para o choque no fornecimento de energia: principalmente, uma oferta restrita de carvão, como consequência de menores importações e fechamento de minas em anos anteriores. Secundariamente, o aumento de demanda resultante da rápida recuperação da fabricação e das exportações, maior consumo de energia induzido pelo clima e as rígidas metas de redução de emissões [de gases de efeito estufa[.
De acordo com o estudo do Rabobank, na produção de grãos e oleaginosas, várias unidades de esmagamento interromperam temporariamente as operações. “Os baixos volumes de importação projetados, devido às margens de moagem negativas nos meses anteriores, e as operações atualmente paralisadas levarão a um queda contínua nos estoques de farelo de soja, o que já causou um recente aumento de preços”, pontua o documento.
Ao comentar o assunto, José Augusto de Castro afirmou que “tenho acompanhado a crise energética que afeta não apenas a China mas o mundo inteiro. Recentemente, o governo chinês expediu uma instrução para que se aumente a produção de carvão, ainda que isso vá afetar negativamente a emissão de gases de efeito estufa. As autoridades chinesas tiveram que tomar essa decisão porque, caso contrário, faltaria energia no país para manter as atividades”.
O presidente da AEB disse ainda que acompanha o tema por outro motivo que interessa diretamente ao Brasil: “há cerca de cinco ou sete dias, a China decidiu fechar temporariamente três plantas beneficiadoras da soja. É importante lembrar que 80% de toda a soja exportada pelo Brasil tem como destino a China e a oleaginosa é embarcada em grãos, é beneficiada pelos chineses para produzir o farelo e o óleo de soja. O farelo é utilizado para alimentar os animais e o óleo de soja e consumido internamente ou exportado para outros países”.
Nesse cenário, José Augusto de Castro afirma que “se a China deixar de comprar a soja em grãos do Brasil e passar a importar farelo e óleo de soja, passaremos a gerar empregos aqui no Brasil e haverá uma tão aguardada agregação de valor na balança comercial, que beneficia o Brasil duplamente”.
E a soja não seria o único produto a gerar valor às exportações brasileiras caso a China realmente opte por importar alguns produtos já beneficiados. O café é outro bem que pode ter maior valor ao ingressar no mercado chinês, desde que seja embarcado após passar por processo de industrialização e não sob a forma de grãos não torrados, como atualmente.
Em relação à crise energética, o presidente da AEB afirma que “se a China tiver que tomar alguma decisão mais drástica, essa decisão vai impactar o mundo inteiro. Se isso vier a acontecer, nós teríamos de um lado problemas com o binômio navios-contêineres e, do outro, produção. Não temos escolha. Hoje alega-se que a crise se acelerou porque foi necessário aumentar a produção para compensar o período em que ela ficou paralisada. Mas, para aumentar a produção é preciso ter energia e de repente não existe energia para aumentar a produção. Nesse caso, haveria falta de produto por falta de energia e por falta de contêineres”.
Além disso, o executivo da AEB destaca que “não podemos nos esquecer de que a China sempre teve como política importar matéria-prima básica e exportar produtos industrializados, e não exportar matéria-prima básica quando a tem disponível. Ou seja, ela está sempre disposta a comprar a matéria-prima mas está sempre indisposta a exportar a matéria-prima. Principalmente se ela for um produto estratégico. Essa é a política da China, e agora essa política vai ter que sofrer alguma alteração, porque a realidade está mudando e o país asiático vai, eventualmente, ter que deixar de comprar uma matéria-prima básica e importar algum produto com um grau pequeno ou grande de beneficiamento. Vai depender do produto”.
FONTE: Comex do BrasilS