A falta de uma decisão por parte do governo da China autorizando a retomada das importações de carne bovina brasileira é motivo de preocupação e é vista como uma represália “velada” contra o governo brasileiro como um todo, por algumas atitudes adotadas recentemente em relação à China, ainda que o governo de Pequim jamais venha a admití-la publicamente.
Esta é a avaliação do presidente da Associação do Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro. Para ele, a China nunca vai admitir que se trate de uma retaliação e sim uma decisão interna, uma política voltada para o mercado doméstico e não contra o Brasil.
Na percepção de José Ricardo dos Santos Luz Júnior, CEO do LIDE China, “é difícil, neste momento, precisar se se trata de alguma retaliação em relação a eventuais atitudes do governo federal ou omissões pelo próprio governo, como por exemplo em relação ao que aconteceu no mês passado no Consulado Geral da República Popular da China na cidade do Rio de Janeiro. Mas isso preocupa e demonstra a importância que o mercado chinês tem para o empresariado brasileiro”.
José Augusto de Castro se diz surpreendido pelo fato de até o momento o governo chinês não ter externado uma posição ante às solicitações do governo brasileiro de retomada das exportações de carne bovina para o mercado do gigante asiático.
Segundo ele, “a China não precisa falar para o Brasil (que adota uma represália), porque ela o fez ou deixou de fazer. Apenas sentimos o que ela fez e estamos sentindo os impactos negativos aqui em nosso país. E o Brasil não tem, neste momento, como discutir com a China. Vai discutir o quê? Se a China quisesse liberar as exportações, já teve tempo mais que suficiente para fazê-lo. E é de se notar que os demais países do mundo que também importam carne bovina brasileira não estão tomando nenhuma medida drástica contra o Brasil por conta desse problema da vaca louca”.
A decisão chinesa, na avaliação do dirigente da AEB “é uma represália que atende aos interesses (internos) da China, que ao adotá-la está privando a sua população do consumo da carne bovina, independentemente do preço do produto. Como a China vive uma crise hoje, nada como gerar um fato que lhe permita mostrar que está fazendo um sacrifício para superar essa crise, porque a crise chinesa é visível, seja de energia, seja hídrica ou alguma coisa mais”.
O presidente da AEB reafirma sua preocupação com a decisão chinesa “porque no mundo só existem três grandes fornecedores de carne bovina, que são o Brasil, os Estados Unidos e a Austrália. A Argentina não tem capacidade de abastecer o mundo e a Irlanda se limita a atender ao seu mercado interno. Assim, existem apenas esses três grandes fornecedores”.
José Augusto de Castro ressalta que os dados relativos à carne bovina chamam a atenção por dois fatores. Primeiro, pelas receitas de exportação. No mês de julho, a proteína animal gerou uma receita de exportação de US$ 902 milhões. Em agosto, essa receita subiu para US$ 1,031 bilhão e passou para US$ 1,082 bilhão em setembro. Em dez dias úteis de outubro, a receita de exportação foi de apenas US$ 240 milhões. Se projetada para todo o mês, a receita pode chegar a US$ 500 milhões. Segundo pela cotação no mercado internacional. Em julho, o preço médio de exportação por tonelada era de US$ 5.427 e em agosto subiu para US$ 5,679, passando para US$ 5,790 em setembro. Agora em outubro, o preço despencou para US$ 5,274 a tonelada. Com a decisão chinesa de interromper as importações, as empresas brasileiras estão exportando a carne bovina para outros mercados mas a decisão chinesa já causou impacto na cotação do produto e o preço por tonelada registra uma queda relevante.
Por sua vez, o CEO do LIDE China afirma que “o Brasil considera o mercado chinês extremamente relevante. Tanto é que o Brasil tem exportado cada vez mais a carne bovina para o mercado chinês e só de janeiro agosto deste ano foram exportados US$ 3,1 bilhões, cifra 20% maior que aquela registrada no mesmo período de 2020, com a quebra de sucessivos recordes desde 1997”.
Segundo José Ricardo dos Santos Luz Júnior, “tenho esse dado de janeiro a agosto de 2021 porque exatamente no dia 03 de setembro houve um pedido de suspensão temporária das importações de carne bovina de origem brasileira pelas autoridades chinesas e esse entrave tem causado grande preocupação aos produtores e também uma tensão em relação àqueles frigoríficos que já conseguiram aprovação das respectivas plantas para conseguir uma homologação para exportar e aguardam apenas pela licença. Há também uma tensão por parte daqueles frigoríficos que estão no processo de solicitação de licença, de uma habilitação para exportação da proteína animal para o mercado chinês”.
Ao mesmo tempo em que evita falar em “retaliação”, o executivo do LIDE China destaca a importância da China como principal parceiro comercial do Brasil, sublinhando que “até setembro, temos uma pauta que chegou a US$ 105,6 bilhões, somando exportação e importação, podendo chegar até o final deste ano de 2021 a US$ 120 bilhões. Ano passado, em plena pandemia, tivemos uma pauta Brasil-China no valor total de US$ 102 bilhões. É um mercado promissor e que significa quase duas vezes mais que o segundo maior parceiro comercial do Brasil, que é a União Europeia, seguida pelos Estados Unidos”.
Nesse contexto, José Ricardo dos Santos Luz Júnior considera que a parceria sino-brasileira é uma parceria interdependente e que “precisa ser olhada cada vez mais com muito cuidado, muita atenção e muito planejamento. Independentemente desse problema pontual de tensão nas relações Brasil-China, por óbvio é um mercado que não pode ser ignorado e precisamos planejá-lo para os próximos 5, 50 e 100 anos. Ou seja, precisamos planejar a nossa relação com o mercado chinês no curto, médio e longo prazos”.
Fonte: Comex do Brasil